Dr. Gabriel Campolina – Homeopatia e Medicina de Família

As perguntas que você sempre quis fazer sobre homeopatia com respostas baseadas em evidências

1 – Em quais situações a Homeopatia pode ajudar?

Como a homeopatia possui uma visão integral do ser humano, entendendo-o como uma unidade indissociável, procura tratar o doente e não a doença. Estimula a vitalidade do indivíduo ativando, fortalecendo e reequilibrando os mecanismos curativos e de defesa do corpo, ajudando-o a retornar ao estado de harmonia física, psíquica, emocional e espiritual. Desse modo, a homeopatia como especialidade médica não se restringe a nenhum órgão ou sistema do corpo e não se limita à abordagem de nenhuma faixa etária específica, podendo ser útil em todos os ciclos de vida e em qualquer tipo de adoecimento, tanto em quadros agudos como em casos crônicos[i].

2 – A Homeopatia é uma terapia alternativa?

A palavra terapia não expressa toda a abrangência da homeopatia, que representa não só uma forma de tratamento, mas também todo um modo próprio de se entender a dinâmica da vida, de compreender a doença e a saúde, de realizar um diagnóstico e de acompanhar a evolução do doente. A esse conjunto de dimensões damos o nome de “racionalidade médica”[ii].

Com relação à qualidade de alternativa, entende-se que hoje essa não é uma especificação adequada, pois alternativa passa a ideia de exclusão: ou uma opção de abordagem médica ou a outra. Outro termo que também é usado para designar a homeopatia, inclusive pela Organização Mundial de Saúde[iii], é “complementar”, que também tem suas limitações, pois transmite uma concepção de hierarquia ou de diferentes importâncias entre os sistemas médicos:  a homeopatia é complementar à medicina convencional ou o contrário?

Prefere-se então o termo “integrativo”, que denota a abordagem colaborativa entre a homeopatia e as demais racionalidades médicas, que podem ser utilizadas em associação com diferentes papéis a depender do contexto: de forma exclusiva, como protagonista ou como coadjuvante. Exemplos: um paciente com síndrome de pânico pode optar por realizar apenas o tratamento homeopático, enquanto um paciente hipertenso pode ser acompanhado em conjunto com tratamento farmacológico tradicional e homeopatia e um paciente com câncer pode se submeter à quimioterapia e recorrer à abordagem da homeopatia com intuito de melhor controle dos efeitos colaterais.

3 – Qual diferença entre a homeopatia e a fitoterapia?

Embora ambas as práticas obtenham seus medicamentos predominantemente da natureza, muitas vezes utilizando até as mesmas plantas, a fitoterapia não é um sistema médico completo como a homeopatia, restringindo-se à parte terapêutica, numa forma mais “natural” de atuar no organismo. A fitoterapia compartilha com a medicina convencional todo seu fundamento teórico, substituindo os agentes químicos sintéticos pela utilização das plantas. Já a homeopatia sustenta-se em princípios próprios1 e seus medicamentos são retirados principalmente dos reinos mineral, vegetal e animal.

Destaca-se o princípio da semelhança, segundo o qual cada substância é capaz de curar, no indivíduo enfermo, aqueles sintomas que é capaz de causar no indivíduo saudável. Desse modo, as substâncias utilizadas no tratamento homeopático foram previamente experimentadas por voluntários saudáveis, para, catalogando-se os sintomas produzidos nos experimentadores, determinar o potencial terapêutico de cada uma delas[iv]. A maioria das pessoas já experimentou o estado de alerta provocado pelo excesso de café e já sentiu a coriza e os olhos ardentes e lacrimejantes provocados ao se descascar uma cebola. Seguindo o princípio apresentado, o café (Coffea cruda) é um dos principais medicamentos para insônia e a cebola (Allium cepa) um dos medicamentos mais frequentemente indicados nos quadros agudos de resfriado.

Para além do princípio da semelhança, a individualização e a visão do todo são indispensáveis na abordagem homeopática. A forma peculiar de cada pessoa de adoecer, as características mais raras e estranhas de seus sintomas e sua disposição emocional e psíquica irão permitir uma escolha personalizada do medicamento homeopático mais indicado. Ou seja, nem toda insônia será tratada com Coffea cruda e nem todo resfriado responderá satisfatoriamente ao Allium cepa.

Outra diferença entre a fitoterapia e a homeopatia é a forma de preparo dos medicamentos. Na fitoterapia são utilizadas plantas in natura ou extratos vegetais, que contêm vários compostos com potencial efeito sobre o organismo humano. Esses compostos, assim como os medicamentos sintéticos, também podem provocar efeitos colaterais e interações com outros remédios que a pessoa já utiliza. Um dos fundamentos da homeopatia é emprego de medicamentos dinamizados, submetidos ao processo de ultradiluição e agitação ou sucussão, o que evita a incidência de efeitos colaterais e interações medicamentosas e que desperta as propriedades curativas dos insumos utilizados. A dinamização permite que, na homeopatia, sejam experimentadas e posteriormente prescritas não só substâncias que originalmente possuem ação medicinal na sua forma bruta, como também substâncias que em seu estado natural são inócuas, como o sal de cozinha (Natrum muriaticum) ou tóxicas, como o arsênico (Arsenicum album).

4 – Então o medicamento homeopático não tem efeitos colaterais? O que dizer sobre as pessoas que têm uma reação após o uso do remédio?

Devido ao modo de preparo do medicamento homeopático, a quantidade de matéria prima presente nas formulações homeopáticas é mínima ou ausente, impossibilitando a existência de efeitos colaterais ou adversos propriamente ditos. Por esse motivo o medicamento homeopático não apresenta restrições de uso mesmo em gestantes ou bebês.

A reação que alguns pacientes descrevem é o que se denomina de agravação homeopática. As formulações homeopáticas atuam provocando um estímulo na vitalidade do doente, gerando um movimento na saúde que pode, em alguns casos, manifestar-se por meio de desconfortos passageiros e menos intensos do que a gravidade da doença em tratamento1. Essa reação representa um ótimo indício sobre a adequação do medicamento e sobre o potencial de recuperação do doente. Grosso modo, é como se o organismo estivesse se exonerando do seu desequilíbrio para acelerar sua recuperação. Quando esses desconfortos aparecem, o ideal é observar e aguardar, a não ser quando se tornam um incômodo significativo, requisitando, assim, uma reavaliação.

5 – Desse modo, o tratamento homeopático se resume ao uso do medicamento individualizado capaz de provocar os sintomas mais semelhantes à condição do doente?

É importante compreender que nem todo desequilíbrio orgânico pode ser resolvido apenas com a medicação. Algumas condições que importunam nossa saúde são provocadas, mantidas ou agravadas por hábitos de vida inadequados, abusos à mesa, circunstâncias sociais ou persistentes atitudes adoecedoras[v]. Esses outros fatores também devem ser levados em conta, independente de qual seja a abordagem médica. É importante que o paciente assuma a corresponsabilidade pelo seu tratamento, com apoio do médico e dos demais profissionais de saúde que lhe assistem.

        Mesmo nos casos em que nenhum desses obstáculos à saúde estiver presente, o tratamento homeopático adequado em geral é acompanhado de um aumento de percepção e autoconsciência por parte do paciente, que permite que ele identifique quais são as posturas mais prejudiciais à sua saúde física e mental, oferecendo oportunidade de transformação. 

A adoção de hábitos saudáveis favorece o bom andamento do tratamento. Podemos citar a prática de algum exercício físico que agrade[vi], uma alimentação com menos alimentos processados[vii], o equilíbrio entre o descanso e o trabalho[viii], o cuidado com os relacionamentos tóxicos[ix] e o cultivo dos laços de afeto genuínos[x], a existência de um propósito de vida[xi] ou espiritualidade[xii] [xiii], entre outros.

6 – Além desses obstáculos citados, haveria alguma outra situação que limitaria a atuação do medicamento homeopático?

Existem, de fato, algumas situações nas quais a ação do tratamento homeopático não é capaz de alcançar o ideal da cura. Há condições que exigem a abordagem cirúrgica, tais como um trauma mais grave, a extração de corpos estranhos, a retirada de cálculos, a correção de uma má-formação no recém-nascido1.

        Há outras circunstâncias nas quais o desequilíbrio do organismo foi tão intenso e prolongado que se concretizaram em alterações profundas nos tecidos do corpo, que não são mais passíveis de modificação. Na concepção de saúde homeopática o adoecimento se inicia na energia vital do paciente, manifestando-se inicialmente por meio de sintomas do pensamento, da emoção e do mau funcionamento do corpo e somente em seguida, com a persistência desse desequilíbrio torna-se possível observar alterações de doença visíveis nos tecidos e verificáveis por meio de exames complementares. Essa é a situação por exemplo de pacientes com estágios avançados de enfisema (no qual grandes áreas do pulmão estão destruídas), cardiopatias graves (nas quais pedaços do coração pararam de funcionar devido infartos anteriores), deformidades articulares pronunciadas (decorrentes de longos anos com inflamações de artrite reumatoide). Mesmo nessas situações, a abordagem homeopática pode ter um papel paliativo, minimizando o desconforto e melhorando a qualidade de vida.

Mas, caso fosse necessário apontar a maior limitação na atuação da homeopatia, é possível arriscar em indicar que é o próprio homeopata. Isso porque a homeopatia é uma ferramenta poderosa no auxílio a saúde, mas que exige muita destreza para ser manejada. Como o tratamento é individualizado e não há remédios específicos para cada doença, cada paciente que entra no consultório do homeopata pode, em tese, necessitar de qualquer um dos mais de 3 mil medicamentos homeopáticos disponíveis na atualidade, embora nem sempre o médico precise ser exatamente certeiro para auxiliar. É para permitir que o homeopata obtenha todos os detalhes necessários para uma prescrição adequada que o atendimento homeopático é mais longo, que o médico investiga áreas diversas da vida da pessoa (até mesmo sonhos) e que a escuta é seu principal instrumento de trabalho. Desse modo, às vezes um medicamento bem indicado é encontrado logo na primeira consulta, enquanto, de outras vezes, pode ser necessário mais tempo. É falsa a ideia de que o medicamento homeopático age devagar. Entretanto, o homeopata pode demorar para alcançar uma boa prescrição. Por isso é tão importante que o paciente auxilie o médico na sua tarefa, observando atentamente as características de seus sintomas e relatando com fidelidade o que percebe no seu organismo e no seu psiquismo.

7 – Como todos esses princípios da homeopatia surgiram e se desenvolveram?

A homeopatia nasceu no final do século XVIII, numa época em que a prática mais comum era a medicina medieval[xiv], que se utilizava de sangrias, purgativos e vomitórios para tratamentos que matavam mais do que simplesmente deixar o paciente à sua própria sorte. Samuel Hahnemann, um genial médico alemão de sua época, desencantado com o que a medicina poderia oferecer naquele tempo e desgostoso pelas perdas próximas que não teve condições de evitar, abandonou a prática médica[xv] e passou a se dedicar à tradução de livros de medicina.  Ao se deparar com uma afirmação que considerou imprópria em uma dessas obras, foi levado a experimentar em si mesmo a quinquina (China officinalis) e, ao desenvolver a febre intermitente típica da malária, concluiu que sua utilidade no tratamento da malária se deve à capacidade da planta em causar sintomas semelhantes ao da doença em pessoas saudáveis. Assim, em 1790, Hahnemann resgatava um dos postulados do Pai da Medicina ocidental, Hipócrates, que afirmava que o “semelhante cura semelhante”. Ao custo de muito suor, dedicação e lidando com ataques de farmacêuticos e médicos da época, testou em si e nos outros várias substâncias, desenvolveu o método das diluições e sucussões para atenuar os efeitos tóxicos das substâncias e lhe aumentar a força curativa, como também investigou e descreveu os fundamentos que até hoje são empregados na homeopatia para se tratar um paciente.

8 – Se a homeopatia já tem mais de 200 anos de existência, não está ultrapassada?

O fato de a Homeopatia ter sobrevivido até o tecnológico século XXI, no oriente e no ocidente, já fala por si mesmo. Apesar de inúmeros obstáculos, proibições e dificuldades enfrentadas ao longo da história, a Homeopatia chegou até os dias de hoje devido aos seus resultados, em especial em decorrência de incríveis contribuições do tratamento homeopático em epidemias que assolaram diferentes partes do mundo.

Os princípios descobertos e apresentados por Hahnemann são tão atuais que se encontram em plena identificação com a direção na qual a medicina tem caminhado[xvi], destacando-se: aprimoramento da escuta[xvii] [xviii] e valorização da narrativa do paciente[xix]; abordagem mais individualizada; ampliação do olhar da doença para a experiência de adoecer e o contexto do doente[xx]; minimização dos danos provocados pelo tratamento; cuidado preventivo; medicina psicossomática…

Embora ainda esteja extremamente pertinente ao nosso tempo, a homeopatia não parou de evoluir. A quantidade de substâncias experimentadas fez com que se tornasse necessário o suporte cotidiano de programas informatizados pelos homeopatas para gerenciar a crescente massa de dados. Por isso, torna-se compreensível que se o médico realiza pesquisas no computador durante o atendimento ou se opta por não fornecer a prescrição de imediato não significa que está confuso, mas que está selecionando e agrupando sintomas e realizando análises com o auxílio desses programas. Além disso, autores contemporâneos[xxi] têm enriquecido a metodologia proposta por Hahnemann, mediante a oferta de novos caminhos para a escolha do medicamento e, dessa maneira, aumentando o índice de acertos das prescrições. Tudo isso corrobora a antecipação do descobridor da homeopatia que declarou que só seria plenamente compreendido pelas gerações futuras[xxii].

9 – A Homeopatia possui comprovação científica? Por que há tantos profissionais e cientistas que desacreditam dela?

A homeopatia possui uma forma própria de construir e testar seu conhecimento[xxiii] – o que chamamos de epistemologia[xxiv]. Hahnemann foi pioneiro no método experimental, ainda antes daqueles que introduziram esse método na medicina, mais notadamente Claude Bernard[xxv] [xxvi]. O corpo de conhecimento científico da homeopatia são as patogenesias, resultados das experimentações com substâncias em pessoas saudáveis. Também há evidências científicas construídas pelo método científico tradicional[xxvii] [xxviii] [xxix], por meio de ensaios clínicos e revisões sistemáticas[xxx], os quais apontam que, quando o medicamento homeopático é utilizado seguindo os princípios expostos, ele é mais efetivo do que o placebo (as substâncias inertes em forma de “pílulas de farinha” ou água sem componentes ativos).

Apesar disso, a homeopatia ainda encontra muita resistência no meio científico e isso se deve em grande proporção ao fato de estar sustentada em outro paradigma[xxxi] e à falta de compreensão sobre o mecanismo de ação do medicamento. Aqueles que atacam a homeopatia apegam-se ao fato de que segundo a lei de Avogadro as preparações homeopáticas não poderiam atuar sobre o corpo humano por não possuírem, em teoria, nenhuma molécula da substância original que foi diluída. Estes opositores utilizam do argumento da implausibilidade para alegar a ineficácia do tratamento homeopático. Entretanto, esse raciocínio não se sustenta diante dos estudos clínicos citados, bem como de estudos de laboratório que demonstram que essas formulações possuem efeitos sobre os organismos vivos. Atualmente, há várias teorias em desenvolvimento sobre os possíveis mecanismos de ação da medicação homeopática[xxxii] [xxxiii], que não convém aprofundar nesse momento, mas as mais promissoras postulam que a substância representaria uma matriz, o medicamento homeopático um carreador ou informação referente a essa matriz e o sistema humano o receptor capaz de ser sensibilizado por essa informação e reagir a ela.

Quanto ao paradigma homeopático, importa considerar que Hahnemann não entendia o corpo humano como um mero ajuntamento de moléculas e nem o pensamento como um produto do cérebro, mas sim como um complexo composto pelo organismo material, a energia vital e o espírito imaterial. Essa concepção, que é chamada de vitalismo[xxxiv], fez com que se ampliasse seu conceito de saúde, que ele definiu como o governo adequado da energia vital conservando o organismo em admirável operação, permitindo ao espírito ou à razão empregar deste instrumento vivo e sadio para os altos fins da sua existência1. Sob tal perspectiva, não há nenhuma objeção a uma “informação” ou “energia” atuar sobre nosso organismo, que transcende a matéria. Mas, quando consideramos a vida apenas sob a perspectiva materialista, ou fisicalista, realmente é difícil admitir ou aceitar o que os estudos com a homeopatia evidenciam[xxxv]. Deve-se salientar que nem a visão materialista e nem a visão espiritualista são consideradas “verdade” pela ciência atual; ambas são tidas como crenças no mesmo patamar de validade[xxxvi] e o materialismo tem sido utilizado como premissa científica no que o filósofo da ciência Karl Popper chama de “materialismo promissório”[xxxvii].

Diante disso, além dos questionamentos válidos e que impulsionam a comunidade homeopática a pesquisar e a buscar modelos que expliquem o funcionamento do medicamento homeopático, também há opositores sistemáticos[xxxviii] [xxxix], que mesmo diante de evidências utilizam o argumento da implausibilidade[xl], são aqueles que “nem vendo para crer” ou pseudocéticos[xli]. Falsos céticos porque o ceticismo implica, conforme a corrente grega que deu origem ao termo, numa postura de constante e ético questionamento e não de tendência ao explícito negacionismo praticado por esses opositores persistentes[xlii]. Diante de uma cura realizada pelo tratamento homeopático, recorrem à justificativa do efeito placebo, ignorando as claras leis homeopáticas que predizem as reações esperadas do doente após o uso da medicação semelhante. Quando essa cura se dá em uma criança pequena ou em um animal, valem-se da ideia de efeito placebo por procuração, atribuindo aos cuidadores uma indução de sua avaliação. Quando os estudos clínicos apontam efeitos mensuráveis acima do placebo convocam a falácia do “cherry picking“, como se aquela evidência fosse uma das poucas “frutas vistosas” selecionadas tendenciosamente em meio a tantas ignoradas “frutas podres”. Quando os estudos que agrupam, combinam e analisam vários ensaios clínicos – as metanálises – são favoráveis ao tratamento homeopático, apontam falhas metodológicas dos estudos que lhes tirariam a validade, sem levar em conta a necessidade de que os estudos incluídos atendam em seu desenho aos princípios de uma boa prática homeopática[xliii] [xliv]. Quando se comprova a existência de fraudes intencionais em trabalhos científicos que difamam a homeopatia[xlv] [xlvi], os pseudocéticos simplesmente se calam e continuam citando a referência do estudo omitindo sua proposital malícia. Cabe aos homeopatas continuarem com sua tarefa e trabalho de cuidado e sugere-se aos seus antagonistas permanentes que poupem suas energias e concentrem seus esforços em garantir que a epistemologia científica seja aplicada de forma correta na medicina tradicional[xlvii], a fim de reverter a triste constatação de que a iatrogenia, ou os danos provocados pelos tratamentos médicos, esteja elencada como uma das principais causas de morte e incapacidade no mundo moderno[xlviii] [xlix].

10 – A homeopatia atua apenas no atendimento individual ou pode contribuir em âmbito coletivo ou comunitário?

A situação de epidemias é a forma mais relevante pela qual a homeopatia pode ter uma atuação de caráter coletivo[l]. Desde 1799, quando Hahnemann abordou um surto de escarlatina na Alemanha[li] com homeopatia reduzindo a taxa de mortalidade de 20% para 2%, essa terapêutica tem sido utilizada com sucesso na prevenção e no tratamento de epidemias de febre tifoide, cólera, difteria, febre amarela, meningite[lii], leptospirose[liii] e dengue, inclusive no Brasil. A partir de 2020, com o início da pandemia por COVID-19, diversos estudos têm sido desenvolvidos para aplicação da homeopatia e alguns trabalhos com resultados positivos já foram publicados[liv], enquanto outros se encontram em andamento. A homeopatia também possui histórico de uso em situações de catástrofes naturais ou acidentais, como terremotos[lv] ou mortes coletivas, servindo de instrumento de alívio das consequências do luto e do medo nos sobreviventes.

Pode parecer contraditório que uma racionalidade que preza a individualização seja empregada em tratamentos de condições contagiosas específicas e em larga escala; porém, Hahnemann entendia que nem toda forma de adoecer provém do desequilíbrio da energia interna do doente. Embora a condição do “terreno” do organismo seja quase sempre o fator preponderante sobre o contágio e a transmissibilidade a determinar quais “ervas daninhas” ou agentes maléficos patogênicos irão se instalar nele, há situações que atuam sobre a saúde humana de forma praticamente indistinta. O fundador da homeopatia cita condições do clima e do ambiente (frequentemente relacionadas à transmissão por vetores), sofrimentos muito semelhantes em diferentes pessoas decorrentes da mesma causa específica (doenças epidêmicas contagiosas) e doenças epidêmicas de caráter peculiar e fixo, que ele atribuiu a um “miasma agudo”. Importante compreender que Hahnemann chega a essas conclusões antes mesmo de Louis Pasteur lançar as bases da microbiologia moderna[lvi].

Nos casos das doenças que retornam da mesma maneira e que costumam gerar imunidade duradoura, a exemplo do sarampo e da coqueluche, o tratamento demanda um grupo específico de medicamentos homeopáticos. Por sua vez, nas doenças epidêmicas contagiosas, como a influenza e a meningite, e as decorrentes de alterações ambientais e de vetores, como a dengue e a leptospirose, é necessário realizar um estudo a cada epidemia, identificando seu caráter peculiar. A metodologia[lvii] para a escolha do medicamento homeopático em tais circunstâncias é a observação cuidadosa de, pelo menos, 20 pacientes acometidos pela doença em questão, o registro de seus sintomas de forma esquemática e a formação de uma imagem, como se uma única pessoa houvesse expressado todos os sintomas. Dessa forma, delineando os traços essenciais de cada epidemia, é possível listar seis ou sete medicamentos – o chamado gênio epidêmico – que cubram a totalidade dos sintomas, selecionando o agente a ser utilizado de acordo com as nuances do quadro de cada doente. Assim, mesmo que as epidemias desse gênero se repitam anualmente, a escolha dos medicamentos homeopáticos que serão utilizados para o tratamento é individualizada em cada uma dessas ocorrências.


[i] PUSTIGLIONE, M. – Organon da Arte de Curar de Samuel Hahnemann para o Século XXI. 1ª Edição. São Paulo: Editora Organon. 2010

[ii] LUZ, M.T.; BARROS, N.F. (Org.). Racionalidades médicas e práticas integrativas em saúde: estudos teóricos e empíricos. Rio de Janeiro: UERJ/IMS/LAPPIS, 2012.

[iii] WHO. World Health Organization. WHO traditional medicine strategy: 2014-2023. Geneva: World Health Organization; 2013.

[iv] SHERR, J.; QUIRK, T.; TOURNIER, A.L. Do Homeopathic Pathogenetic Trials generate recognisable and reproducible symptom pictures?: Results from a pilot pathogenetic trial of Ozone 30c. Homeopathy. 2014 Apr;103(2):108-12. doi: 10.1016/j.homp.2013.12.001. PMID: 24685415.

[v] LALONDE, M. A new perspective on the health of Canadians. A working document. Arquivado maio 8, 2009 no WebCite Ottawa: Government of Canada, 1974.

[vi] KODAMA, S.; SAITO, K.; TANAKA, S.; MAKI, M.; YACHI, Y.; ASUMI, M.; SUGAWARA, A.; TOTSUKA, K.; SHIMANO, H.; OHASHI, Y.; YAMADA, N.; SONE, H. Cardiorespiratory fitness as a quantitative predictor of all-cause mortality and cardiovascular events in healthy men and women: a meta-analysis. JAMA. 2009 May 20;301(19):2024-35. doi: 10.1001/jama.2009.681. PMID: 19454641.

[vii] MONTEIRO, C.A.; CANNON, G.; LAWRENCE, M.; COSTA LOUZADA, M.L. PEREIRA MACHADO, P. 2019. Ultra-processed foods, diet quality, and health using the NOVA classification system. Rome, FAO. 

[viii] HAEL, R. Samuel Hahnemann: sua vida e obra. São Paulo: Editorial Homeopática Brasileira, 1999, v.1

[ix] NJAINE, K.; ASSIS, S.G.; CONSTANTINO, P. Impactos da Violência na Saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007. Disponível em: http://books.scielo.org/id/7yzrw/epub/njaine-9788575415887.epub. Acesso em: 26 de out. 2021

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[xi] RIBEIRO, C.; YASSUDA, M.; NERI, A. Propósito de vida em adultos e idosos: revisão integrativa. Ciência & Saúde Coletiva, 2020. 25. 2127-2142. 10.1590/1413-81232020256.20602018.

[xii] LI, S.; STAMPFER, M.J.; WILLIAMS, D.R.; VANDERWEELE, T.J. Association of Religious Service Attendance With Mortality Among Women. JAMA Intern Med. 2016 Jun 1;176(6):777-85. doi: 10.1001/jamainternmed.2016.1615. PMID: 27183175; PMCID: PMC5503841.

[xiii] MOREIRA-ALMEIDA, A.; Neto, F.L.; KOENIG, H.G. Religiousness and mental health: a review. Braz J Psychiatry. 2006 Sep;28(3):242-50. doi: 10.1590/s1516-44462006000300018. Epub 2006 Aug 15. PMID: 16924349.

[xiv] GREENE, J.A.; JONES, D.S.; PODOLSKY, S.H. Therapeutic evolution and the challenge of rational medicine. N Engl J Med. 2012; 367(12):1077–82

[xv] HAHNEMANN, S. Extract from a letter to a physician of high standing on the great necessity of a regeneration of medicine (Carta a Hufeland) 1808, in Lesser Writings, 1852.

[xvi] PUSTIGLIONE, M. 17 Lições de Homeopatia. SP: Typus, 2001

[xvii] BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Atheneu Rio. 2006.

[xviii] MCWHINNEY, I.R.; The importance of being diferent, British Journal of General Practice, July 1996

[xix] CHARON, R. The principles and practice of narrative medicine. Oxford University Press, 2017.

[xx] ESSL, B. Homeopathy As A Model For Patient-Centered Medical Care Existenz 6/1 (2011), 9–16

[xxi] MADSEN, R. Characteristics Of Contemporary Methodologies Of Classic Homeopathy. Homœopathic Links, (2019) 32(1): 18–22.

[xxii] HAHNEMANN, S. Doenças Crônicas: Prefácio à 5ª edição. S. Paulo: G.E.H Benoit Mure, 2010.

[xxiii] LMHI (Liga Medicorum Homoeopathica Internationalis). Second Edition of LMHI Guidelines for a Homeopathic Drug Proving (HDP). 2013

[xxiv] RUBENS, A. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras. Ed. Loyola; 2000

[xxv] FYE, W.B. Nitroglycerin: a homeopathic remedy. Circulation. 1986 Jan;73(1):21-9. doi: 10.1161/01.cir.73.1.21. PMID: 2866851.

[xxvi] LUZ, M.T. A arte de curar versus a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil. Dynamis Editorial; 1996

[xxvii] APH. Evidências científicas em homeopatia. Revista de Homeopatia (São Paulo), v.80, n.1-2, supl., p.1  206. [Dossiê especial]. Disponível em: http://revista.aph.org.br/index.php/aph/issue/view/41/showToc.  

[xxviii] ZULIAN, M.T. Evidências científicas da episteme homeopática. Revista de Homeopatia (São Paulo), v.74, n.1-2, p.33-56. Disponível em: http://revista.aph.org.br/index.php/aph/article/view/61/79.

[xxix] LMHI (Liga Medicorum Homoeopathica Internationalis). Scientific framework of homeopathy. Evidence Based Homeopathy. Revised edition after 69th LMHI Congress, July2014 (Paris, France), 2015

[xxx] MATHIE, R.T.; LLOYD, S.M.; LEGG, L.A.; CLAUSEN, J.; MOSS, S.; DAVIDSON, J.R.; FORD, I. Randomised placebo-controlled trials of individualised homeopathic treatment: systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2014 Dec 6;3:142. doi: 10.1186/2046-4053-3-142.  PMID: 25480654; PMCID: PMC4326322.

[xxxi] KUHN, T.S. The structure of scientific revolutions. Chicago, University of Chicago Press, 1970.

[xxxii]  BONAMIN, L. V. Dados Experimentais que Fundamentam Teorias Interpretativas sobre Ultradiluições Tributo a Madeleine Bastide. Cultura Homeopática. v. 21, p. 29-35. out./dez, 2007.

[xxxiii] BONAMIN, L.V. Descobrindo como a homeopatia funciona. ISBN 9788592161309.

Disponível em: www.biodilutions.com

[xxxiv] ZULIAN M.T. A Natureza Imaterial do Homem. S. Paulo: Petrus, 2000. Versão em formato digital e de livre acesso. Disponível em: http://www.homeozulian.med.br/livros/A%20Natureza%20Imaterial%20do%20Homem%20‐%20Dr.%20Marcus%20Zulian%20Teixeira.pdf

[xxxv] BEAUREGARD, M.; SCHWARTZ, G.E.; MILLER, L.; DOSSEY, L.; MOREIRA-ALMEIDA, A.; SCHLITZ, M.; SHELDRAKE, R.; TART, C. Manifesto for a post-materialist science. Explore (NY). 2014 Sep-Oct;10(5):272-4. doi: 10.1016/j.explore.2014.06.008. Epub 2014 Jul 2. PMID: 25088379.

[xxxvi] SANTOS, B.S. Um discurso sobre as ciências. 4ª edição. São Paulo: Cortez, 2006

[xxxvii] MOREIRA-ALMEIDA, A. Explorando a relação mente-cérebro: reflexões e diretrizes. Revista de Psiquiatria Clínica (São Paulo. Impresso), v. 40, p. 105-109, 2013.

[xxxviii] GOOD THINKING SOCIETY. NHS Homeopathy Legal Challenge. Disponível em: https://goodthinkingsociety.org/projects/nhs-homeopathy-legal-challenge/. Acesso em: 26 de out. 2021

[xxxix] THE MERSEYSIDE SKEPTICS SOCIETY. Homeopathic Mass ‘Overdose’ – The 10:23 Campaign. Disponível em: http://www.merseysideskeptics.org.uk/2010/02/homeopathic-mass-overdose-the-1023-campaign/. Acesso em: 26 de out. 2021

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